LII
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Nos casamentos (homo ou hetero) eficientes, o sexo é uma necessidade e um obstáculo. O que é bizarro: os obstáculos não costumam ser necessários.
O sexo é necessário porque duas pessoas normais (excepto se forem irmãos ou pobres) não vivem juntas muito tempo se não houver atracção sexual.
O sexo é um obstáculo precisamente porque é necessário. Duas pessoas que vivem juntas sentem-se compelidas a ter sexo. Caso contrário não viveriam juntas. Isto é uma estucha.
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LIX
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A psicologização fez-nos acreditar que o desejo necessita de alvos novos, porque senão morre. A intimidade ganhou galões com a psicanálise no início do século passado. Esta doutrina acompanhou a sossegada revolução narcísica que desde há mais ou menos cinquenta anos nos tornou um somatório de experiências: queremos ser desejados, mas acreditamos — e bem — que ninguém o pode fazer durante muito tempo. Brinquedos novos.
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LX
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Já o desejo que se alimenta do desejo é outra história. Exige o reconhecimento da nossa solidão, obriga a que compreendamos que o outro deseja, simplesmente. É um trabalho religioso.
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Filipe Nunes Vicente, Amor e Ódio [O diário do leopardo].
Lisboa. Quetzal "textos breves", 2008, pp. 71, 77, 78.
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